Depoimentos

Osvaldo Cruz

Apesar dos grandes interesses que envolvem a humanidade, ainda existem as amizades sinceras. Plantemos sempre e elas brotarão.

Como exemplo temos o grupo: Roberto Carlos, Tim Maia, Erasmo e a “Ternurinha’ Vanderléia.

Em meu caso isso também aconteceu:

Sou o maestro Oswaldo Cruz, integrante remanescente da dupla Ouro e Prata – dupla que, por dezesseis anos, participou da historia do radio, da televisão, do cinema e do disco.

Comigo também aconteceram algumas amizades sinceras, como a do meu parceiro Miguel Ângelo – é inegável que, em todos os anos em que existiu a dupla, aconteceu uma grande dedicação mutua. O mesmo tipo de bom relacionamento houve entre mim e o ótimo humorista Zé Fifelis, que viajou conosco durante vários anos Brasil a fora, fazendo apresentações.

Houve também admiráveis amizades entre mim e os famosos cantores Roberto Luna e “Noite Ilustrada”, alem do espetacular compositor Lucio Cardim – todos meus grandes amigos.

Não posso deixar de contar sobre o tempo em que eu e o Lucio caminhamos juntos um bom trecho de nossas vidas. Na minha opinião ele foi o maior e o mais eclético compositor brasileiro – Lucio compunha musicas de qualquer gênero, desde sertanejo, passando pelo humorístico e que, como ninguém, produziu MPB.

Com muito orgulho afirmo ter sido ele o mais confiável entre todos os meus amigos.

Como o conheci?

Foi quando ele ainda não era tão famoso, mas já havia gravado uma musica que dizia: “Não posso viver querida sem teu carinho”, com o cantor Wilson Miranda; também já tinha a sua composição “incoerência” gravada pela enorme cantora Angela Maria. Cito ainda, “Lãs piedras del camiño”, gravada por um famoso Trio Mexicano…

Também já havia gravado um disco como cantor.

Certa tarde apareceu lá pelos bastidores da TV Record, onde a minha dupla Ouro e Prata tinha programas semanais. Foi-nos apresentado por um nosso colega, o Irvando Luis e quis mostrar-nos algumas composições humorísticas. Ficamos muito entusiasmados com a que levava o nome “O menino e  o Burro” e a incluímos em nosso LP e também no 78 rpm.

Depois de um ano escolhemos outra de sua autoria: “O casamento e o Frango” e a lançamos em LP e em 78 rpm.

Assim nasceu uma grande amizade entre nós. Logo notei que se tratava de um homem bom e sincero. Quem o conheceu pessoalmente concorda comigo.

Como determina Deus, tudo no mundo de ter um fim e a minha dupla Ouro e Prata não fugiu da regra, cessando as atividades em 1963.

No dia seguinte a esse desenlace, eu sai a perambular pela cidade, meio desnorteado e sem saber o que me esperava no futuro. Foi quando ao subir pela avenida São João, antes do largo Paissandu, cruzei com Lucio Cardim. Foi uma festa! Fomos a um bar, onde permanecemos por um bom tempo a conversar. Não tínhamos o habito de beber, por isso só tomamos cafezinhos. Ele disse-me que morava ali perto, na rua vizinha atrás do correio e convidou-me a dar uma chegada em seu apartamento.

Lá chegando, conheci sua esposa Celina Paiva e seu filhinho, um garotinho que tinha entre três e cinco anos, Paulinho Cardim.

Lucio quis saber e eu contei-lhe que, no dia anterior, eu e o Miguel havíamos encerrado as atividades da dupla Ouro e Prata e que eu ainda não sabia o que fazer profissionalmente – estava desempregado.

Imediatamente ele propôs-me – caso aceitasse ganhar o que estivesse ao seu alcance pagar – que fosse trabalhar para ele em seu barzinho noturno, o “Exotic Bar”, o que também imediatamente, aceitei.

Durante os dois anos seguintes? Consolidamos a nossa amizade trabalhando juntos e brincando como dois garotos, todas as noites.

A equipe que formava o pessoal da casa era assim composta:

Lucio Cardim, a cantora (que tocava violão) Marion Ruiz; o Renato – um excelente cantor – que, alem de um gerente – também grande amigo – o Blás Molina. Éramos uma espécie de família.

Havia uma turma de cantores que não tocavam nenhum instrumento e que, por isso, tinham dificuldade de arranjar trabalho, que por lá apareciam quase todas as noites para, na medida do possível, participarem das apresentações, utilizando-se do nosso acompanhamento. Eram eles: Olavo Ferreira (ótimo cantor); Carlos de Alencar, Jocelã e Roberto Braga (este era o único que se acompanhava ao violão). Quando estavam a perigo, recorriam ao Lucio para obterem algum dinheiro.

Éramos um grupo muito festeiro. Cantávamos individualmente, as vezes em dupla e de repente, em trio, alem das brincadeiras constantes como “Trio los Três” (Lucio, Oswaldo e Olavo) – chegamos ate a gravar um disco com esse nome.

Eu tinha o esboço de uma canção e o Lucio a completou. Era “A mentira do sim”, com a qual gravei meu primeiro disco como cantor individual, pela “Copacabana Discos”.

Então embalamos a fazer musicas em parceria. Eu e ele compusemos as seguintes: “Tristeza em clave de dó”, “Trocaidílio”,”Artista sem Platéia”, “Ordem é Progresso”, “Meu gatinho”, “Levanta, mulher”, “As flores da varanda”; etc…

Tudo estava indo tão bem que? A mim parecia, nunca iria se modificar. Mas, como já disse, Deus quer que tudo no mundo tenha um fim.

Uma senhora, freguesa assídua do Exotic, estando prestes a inaugurar sua casa noturno, propôs-me trabalhar para ela e ofereceu-me uma paga que dobrava a que eu estava ganhando. A principio eu não aceitei porque gostava demais dos meus companheiros e do “Exotic Bar”.

Insisti no “NÃO” e ela insistiu em levar-me. Quando ela se convenceu de que eu realmente não aceitaria, adotou outro sistema: passou a tratar do assunto diretamente com o Lucio. Então, todas as noites, ele passou a tentar convencer-me a experimentar, porque sabia que em minha casa falta muita coisa que eu não podia adquirir. Falou tanto, insistiu, propondo que, se por acaso as coisas não corressem bem para mim ou para ele, que eu voltasse imediatamente. Nessas condições, após mais alguma hesitação e, dada a insistência de ambos, resolvi tentar.

Assim nossos caminhos desencontraram.

Trabalhei durante dois anos para aquela senhora e, quando pensei em voltar, fiquei sabendo que meu amigão tinha vendido o “Exotic”.

Então trabalhei em varias outras casas: “Esquilo’s Bar”. “Mami Drinks”, “Bossinha”, “Barquinho Drink”, “Champanhota”, “Maison Mil”… Mas sempre que procurava pelo Lucio, descobria que ele trabalha para terceiros. A ultima casa noturna onde trabalhei foi a “Luster Bar”.

Tive a proposta do “Grupo Silvio Santos” para integrar um dos seus dois corais. Aceitei e ali trabalhei durante quatro anos.

Em seguida, assumi o encargo de formar o “Coral Itaú” (do banco Itaú) e ali permaneci por dez anos ate aposentar-me e ficar somente com alguns alunos e alguns clientes de partituras musicais.

Certo dia alguém se comunicou comigo, não me lembro bem se através do meu “site” ou se por telefone, adivinhem quem? Era aquele garotinho que conheci quando tinha entre três e cinco anos de idade, Paulinho Cardim – então, um rapaz muito bem formado, com duas faculdades, desejando falar sobre as musicas minhas e do pai dele.

Só sei que, quando menos eu esperava, estava fazendo um novo disco contendo as referidas musicas e outras tantas minhas composições que estavam engavetadas. E, quem me proporcionou isso? Ora, foi o Paulinho Cardim, agora um dos meus melhores amigos.

Viram agora o quanto vale uma amizade verdadeira? Uma trás outra e forma-se assim, uma verdadeira corrente de felicidade.

O disco citado, que foi me proporcionado fazer com o patrocínio do Paulinho, leva o nome de uma canção, cuja primeira parte eu aprendi com ele, pois havia sido composta por Lucio Cardim, ficando incompleta desde que este, tão cedo se foi. Terminei a obra colocando uma segunda parte e um desfecho (modesto, mas com o mesmo carinho que eu teria dedicado se ele ainda estivesse presente). Trata-se da musica “Força de Expressão”.

Denilson